Notícias Relacionadas

Newsletter

Segunda, 20 de Agosto de 2012 - 14h06

Beleza e tragédia na Cachoeira da Onça

A 130 km de Barra do Garças, MT, contam os índios que há décadas uma onça pintada escolheu uma caverna escondida sob a queda d'água para viver

revista Panorama Rural

Cachoeira da Onça: paraíso dos felinos - aquivo Walter do Valle

Walter do Valle

Nos confins do rio das Mortes, a 130 km de Barra do Garças, MT, existe um trecho acidentado de pedras e saibro que culmina na Cachoeira da Onça. Dizem os índios xavantes que há décadas uma onça pintada escolheu uma caverna escondida sob a queda d'água onde deu cria a três filhotes e dali não saiu mais, acostumada que estava a

lamber o saibro, rico em sais minerais, e a capturar peixes que
escalavam as águas no tempo da piracema.

Bicho também se comunica – de repente outros felinos vieram morar
por ali, caverna era o que não faltava sob a densa galhada. Foram
chegando pintadas, panteras negras suçuaranas e jaguatiricas, felinos
apreciadores de peixes. Bem, a presença das onças, algumas com cria no
pé, obrigaram os índios a irem pescar mais pra baixo, na Curva do
Veadinho, outro bicho que se mandou do perigoso paraíso dos felinos.

Facas, sabonete e espelhinhos –  em 1976 apareceram na tribo um fotógrafo de Cuiabá, conhecido por Alemão, um caçador americano e o melhor guia da região, Ignácio Bororo, de Poconé, piloto muito habilidoso e amigo dos índios. Seu teco-teco fez evoluções sobre a cachoeira e o ronco do motor
desentocou a onçaiada. Do alto deu para avistar 15 onças, entre
machos, fêmeas e filhotes, o que aguçou ainda mais o fotógrafo e o
caçador de troféus.  De volta à aldeia, Ignácio foi conversar com os índios. Deu
badulaques ao cacique e ao pajé (espelhinhos, sabonetes, tesouras e
facas) e acertou a permanência dos três na aldeia por uma semana.
"Vamos só fotografar onças e matar um macho adulto de 130 quilos",
informou o gringo num inglês fluente, traduzido para o tupi-guarani
pelo eclético Bororo aos espantados xavantes.

Coximã, o pajé, alertou os invasores para os perigos da cachoeira: "As onças costumam caçar em grupo quando não corre peixe,

cuidado!" Os gringos riram, acharam um exagero do velho índio
enrugado, parecendo ter 100 anos.

Madrugada de esturros – o fotógrafo e o caçador armaram barraca no terreiro indígena, Bororo esquentou e serviu marmitex cinco estrelas comprada em Barra do Garças. Feito o desjejum, os estrangeiros se enfurnaram em sacos de
dormir. Bororo deitou na rede, a céu aberto. Foi uma noite difícil,
lua cheia iluminando a mata sombria.

Do terreiro se ouviam o chuá da cachoeira e o esturrar das onças.
Um urro vinha do norte, outro respondia do sul. Ou seria o próprio
eco? Foi assim a noite toda, obrigando caçador e fotógrafo a entupir
os ouvidos com algodão para não ouvir urros com som de trovoada.
Saibro coalhado de pegadas de onça – o dia amanheceu lindo, Bororo passou um café quente, forte, gostoso. Alemão bebeu sem açúcar, o  mericano adocicou. O guia misturou o seu com leite de veado, tirado não se sabe de onde.
Tomado o desjejum, foram atrás das onças. O orvalho da noite
deixara a vegetação úmida, molhando as bordas das bermudas. Ao nascer,
o sol transformou as gotas em brilhantes maravilhosos, para deleite do
homem da Rolleiflex.

Espingarda na mão, automática-44 na cintura, o americano foi na

frente, seguido por Alemão, com um Colt Cavalinho, e por Bororo, sem
arma de fogo, só uma zagaia por precaução.

O chão perto do rio estava coalhado de marcas de patas de onça,
mas não se viu nenhuma. O único barulho vinha da cachoeira, água
cristalina caindo aos borbotões.

A sombra e a escuridão – o americano já escolhia um ponto de espera para a caçada quando o macho apareceu. Saiu das sombras, era enorme, coisa de 130 quilos. Olhou o intruso nos olhos e ficou parado, estático, desafiando a
espingarda. O homem já ia levantar a arma quando uma fêmea o pegou por
trás.
Foi um salto espetacular, a fera rolou com ele até a beira do
rio, garras nos ombros, bocarra na nuca. Aí apertou. Deu para ouvir o
estalo de ossos e cartilagens, sons metálicos feito fogo em brasa.
Ao lado Alemão era uma estátua, paralisado pelo medo. Quando quis
correr, outro felino apareceu esperto cercando a saída. Instintivamente Bororo mergulhou no rio e deixou a correnteza gelada o levar longe dali. Ao voltar à tona  ainda viu o fotógrafo ser desfigurado pelas feras. E o rio das Mortes confirmou seu nome mais uma vez.

O sol do meio-dia castigava o rosto de Ignácio Bororo quando ele
acordou num remanso de prainha. Olhou em volta procurando onça, mas
não viu nenhuma. Só chegou de tardezinha à aldeia xavante. Juntou
índio para ouvir a tragédia. Mas não viu reação alguma, nenhum
sentimento de dó ou piedade. Então colocou as tralhas no avião e
voltou pra casa, de onde, pelo rádio, comunicou a tragédia às
autoridades de Barra do Garças.

Dizem que as onças continuam na cachoeira, mas nunca atacaram nenhum
índio. Há um mútuo respeito, um pacto de vida entre feras e
silvícolas.

Link


Warning: file_get_contents(http://uag.ro/api/addurl/?f=http://www.uagro.com.br/editorias/entretenimento/causos/2012/08/20/beleza-e-tragedia-na-cachoeira-da-onca.html) [function.file-get-contents]: failed to open stream: HTTP request failed! HTTP/1.1 403 Forbidden in /home/storage/b/bb/56/uagro/source/templates/noticias/leitura.tpl.php on line 176

Compartilhar