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Segunda, 26 de Setembro de 2016 - 10h49

A integração do açúcar no Mercosul

Países do bloco ainda negociam livre comércio do commodity

*Plinio Nastari

Desde a assinatura do Tratado de Assunção, em março de 1991, o Mercosul aspira atuar como verdadeira união aduaneira, permitindo o livre comércio de bens e serviços entre seus membros, e determinando uma tarifa externa comum para o comércio com terceiros. Decorrido um quarto de século, por conta de inúmeras exceções e uma integração incompleta, cresce a convicção de que o Mercosul tem se limitado na pratica a ser uma área de livre comercio, com algumas exceções. A mais gritante é a não-integração do açúcar. Isso se deve à resistência da Argentina, sob a alegação infundada de uma assimetria que estaria favorecendo economicamente a produção de açúcar do Brasil. A Argentina alega que a existência de um mandato de mistura de etanol na gasolina no Brasil – atualmente é praticada a mistura de 27% +/- 1% em volume – gera um subsidio cruzado do etanol para o açúcar, tornando o açúcar mais competitivo.

Realmente, açúcar e etanol são produtos substitutos em produção no Brasil. A mesma matéria prima, cana-de-açúcar, utilizada para fabricar etanol, é a que produz o açúcar, e existe uma certa flexibilidade no mix de produção praticado dependendo dos preços relativos. A alegada assimetria poderia ter algum fundamento se o preço do etanol fosse maior que o do açúcar, e houvesse uma transferência de renda do etanol para o açúcar. No entanto, salvo em momentos de rara exceção, o preço do açúcar no mercado brasileiro e para exportação é sempre maior do que o do etanol e, portanto, se há alguma transferência de renda ocorre na direção do açúcar para o etanol, e não o contrário.

A alegada assimetria poderia também ser um argumento a ser considerado se o mandato de mistura de etanol à gasolina fosse política exclusivamente praticada no Brasil. O governo do Brasil tem explicado que a mistura se dá por conta de uma política geral de combustíveis e meio ambiente que tem como objetivo atingir octanagem na gasolina sem o uso de aditivos que causem emissões indesejáveis, e para controlar a emissão de outros gases como monóxido de carbono e hidrocarbonetos reativos geradores de smog fotoquímico. Esta é a mesma razão que justifica a mistura entre seus parceiros. No Paraguai, é praticada a mistura de 22% a 23% de etanol na gasolina. No Uruguay, a mistura é de 12%. A Argentina, até 2015, praticou a mistura de 5% de etanol na gasolina, em 2016 elevou-a para 12% e anunciou que pretende atingir 26%.

Vale lembrar que desde a década de 1990 o etanol, foco da disputa, está integrado no Mercosul, havendo livre comercio entre os seus membros e o estabelecimento de uma tarifa externa comum para o comércio com terceiros. Para o comércio de etanol entre o Brasil e os EUA foi autorizada, a pedido do Brasil, uma exceção permitindo o comércio com tarifa zero entre os dois países.

Como membro desta incompleta união aduaneira interessa ao Brasil, como maior produtor e exportador mundial, que o açúcar esteja integrado no Mercosul. Discussões de integração comercial com outros blocos econômicos que envolvam o produto pressupõem que esteja integrado para que a negociação possa ocorrer em bloco. O mesmo interesse não ocorre com a Argentina. Na safra corrente, de 2016/17, o Brasil deverá produzir 37,4 milhões de toneladas de açúcar, com 10,39 milhões de toneladas consumidas no mercado doméstico, e exportações que devem atingir 27,01 milhões de toneladas, que correspondem a 45,2% das exportações mundiais. Na Argentina, a produção de açúcar em 2016/17 é estimada em 2,22 milhões de toneladas, para um consumo doméstico de 1,98 milhão de toneladas, e exportação de 220 mil toneladas.

O Tratado de Assunção estabelece que as decisões do bloco sejam tomadas sempre em consenso. Isso significa que o bloqueio de qualquer um de seus membros impede que uma decisão seja adotada. É por esta razão que o açúcar permanece como único produto não-integrado.

Em realidade, não deve interessar ao Brasil o mercado da Argentina, ou dos outros membros do Mercosul. Suas produções domésticas estão naturalmente protegidas pelo diferencial de frete. Mas como principal produtor e exportador mundial desta commodity, cujo consumo mundial cresce 3,5 milhões de toneladas ao ano, interessa ao Brasil que o açúcar esteja integrado na união aduaneira da qual faz parte.

A recente posição dos Ministros José Serra, das Relações Exteriores, e Blairo Maggi, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, no sentido de colocar a integração do açúcar na agenda da integração comercial é acertada, e pretende corrigir uma distorção inexplicável, em particular à luz da retomada das negociações entre o Mercosul e a União Europeia.

* Plinio Nastari é presidente da DATAGRO Consultoria.

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