Assessoria

DATAGRO

A provável opção pelo etanol como saída para a crise do mercado de açúcar

sexta-feira, 14 de junho de 2013 - 10h05

*Plinio M. Nastari

O preço mundial do açúcar, referenciado pelo primeiro futuro do contrato número 11 de açúcar crú a granel negociado na bolsa Intercontinental Exchange (ICE) Futures de Nova York, caiu na primeira quinzena de junho para nível abaixo de 17 centavos de dólar por libra-peso FOB. Este preço está ligeiramente abaixo do custo médio do fornecedor marginal deste mercado, que é o produtor/exportador da região Centro-Sul do Brasil. Apesar disso o Brasil continua embarcando volumes relativamente elevados de açúcar para exportação, e os principais terminais de exportação nos portos de Santos e Paranaguá estão com estoques relativamente baixos. Para colocar esta observação em números, enquanto nos primeiros 5 meses de 2012 (Janeiro a Maio/12), as exportações de açúcar do Brasil somaram 5,844 milhões de toneladas métricas, no mesmo período deste ano este volume já atingiu 9,597 milhões de toneladas.

Apesar do balanço oferta-demanda mundial indicar, segundo estimativas da DATAGRO, um excedente de 10,27 milhões de toneladas na safra mundial de 2012/13, que encerra em 30 de setembro próximo (o ano comercial para efeito estatísticos corre de 1 de outubro a 30 de setembro de cada ano), e estar previsto excedente de 6,18 milhões de toneladas na safra subsequente de 2013/14, os produtores/exportadores brasileiros não tem encontrado dificuldade para escoar sua produção.

Porque não há dificuldade para colocar o produto num cenário de excedentes pelo terceiro ano consecutivo em 2012/13, e porque os produtores continuam produzindo  e exportando, mesmo numa situação em que o preço está abaixo do custo médio?

Em primeiro lugar, o mercado continua absorvendo açúcar a granel do Brasil com preferencia em relação a outras origens porque a qualidade do produto brasileiro é superior, pelo seu maior grau de polarização (teor de sacarose), cor mais clara (grau ICUMSA menor), e menor teor de impurezas. Todas as refinarias independentes instaladas em localidades estratégicas do globo nos últimos 20 anos, como Dubai, Arábia Saudita, Nigéria, Argélia, Marrocos, Síria, Egito, e Índia, foram construídas prevendo a utilização de matéria prima tendo como referencia mínima o açúcar a granel tipo VHP (very high polarization) produzido em larga escala pelo Brasil. Outras especificações de qualidade ainda melhor do que o VHP, como o VHP-plus e o VVHP, são produzidas apenas pelo Brasil. Só recentemente, exportadores como a Guatemala, Australia e de forma parcial a Tailandia, começaram a oferecer produto similar ao padrão básico brasileiro de VHP. Portanto, mesmo em um cenário de excedentes globais, o produto brasileiro tem encontrado colocação preferencial, mesmo tendo o Brasil alcançado uma participação de mercado dominante, ao representar cerca de 50% das exportações mundiais.

E porque os produtores brasileiros continuam exportando açúcar, mesmo num cenário atual de preços baixos? Uma possível explicação advém do fato que a exportação “não é uma foto, e sim um filme”. Um volume considerável da produção que está sendo exportada em 2013 foi precificada em 2012, a preços que variaram entre 19,5 e 23 centavos por libra-peso FOB, e estão sendo entregues neste momento a esses preços, com uma taxa de câmbio em que o dólar está mais valorizado do que a um ano atrás.

Esta mesma lógica indica, entretanto, que algo deve acontecer no futuro, caso os  preços continuem permanecendo em níveis não-atrativos ao produtor brasileiro. O principal elemento a ser considerado é o fato de que a indústria brasileira é integrada e diversificada, sendo capaz de produzir açúcar ou etanol com uma relativa flexibilidade. Esta flexibilidade aumentou nos últimos anos, com investimentos adicionais na capacidade de fabricação de produtos finais, açúcar e etanol, embora menos na capacidade total de moagem de cana.

Em 2013, o produtor/exportador brasileiro vai estar menos propenso a precificar exportações de açúcar de forma antecipada, por estarem em níveis abaixo do seu custo. O produtor típico tem a possibilidade de produzir mais etanol hidratado e anidro, ao invés de açúcar, e obter um preço para o etanol no mínimo equivalente aos níveis observados hoje para o açúcar. Deverá ser preferível ao produtor brasileiro produzir etanol para venda no mercado interno, do que produzir açúcar para exportação tendo prejuízo, pois a possível perda com a venda do etanol poderá levar a uma reversão no preço do açúcar. A opção de produzir e vender mais açúcar, sem passar pelo caminho de maior produção de etanol, é um caminho que sela o inexorável prejuízo com o açúcar e o etanol.

No curto prazo, o mercado mundial continua observando o excedente do mercado mundial, e só vai apresentar reação quando acreditar, ou perceber, que a sua principal origem, o seu principal fornecedor, está se retirando parcialmente do mercado.

Basta que o consumo de etanol hidratado cresça 300 milhões de litros por mês, para que, em termos anualizados, todo o excedente mundial de açúcar previsto para 2013/14 seja eliminado, através da absorção de 5,75 milhões de toneladas de açúcar equivalente. Para que isso ocorra, basta que a relação de preço entre o etanol hidratado e a gasolina atinja níveis abaixo de 65%, que seria o nível considerado suficiente para que o proprietário de carro flex migre o consumo a favor do etanol hidratado.

Os efeitos desta mudança de comportamento no mercado brasileiro de combustíveis serão muito expressivos. O retomada do nível padrão de mistura de etanol anidro na gasolina, de 20% para 25%, a partir de 1 de maio de 2013, foi uma medida acertada. Não se justificava uma espera adicional para que a medida fosse implementada, como foi cogitado por alguns para 1 de junho de 2013. Aliás, a redução de 25% para 20% implementada a partir de 1 de outubro de 2011, é até hoje de mérito bastante discutível, pela constatação de que havia oferta de etanol anidro suficiente, de origem doméstica e importações não-gravosas, para garantir o suprimento normal necessário para os 25%.

O aumento no consumo total de anidro mais hidratado na safra 2012/13 pode atingir entre 3,5 e 5 bilhões de litros, sendo principalmente na forma de anidro. É um volume expressivo considerando o volume de importações de gasolina do Brasil nos últimos anos. Em 2012, a importação líquida de gasolina somou 3,643 bilhões de litros, com dispêndio de US$ 2,909 bilhões. Nos primeiros 5 meses de 2012 (até maio), as importações líquidas de gasolina somaram 1,649 bilhão de litros, com dispêndio de US$ 1,334 bilhão. No mesmo período de 2013, a importação líquida foi de 2,199 bilhões de litros (+33,3%), com dispêndio de US$ 1,656 bilhão (+23,6%).

O uso intensivo do etanol combustível foi incentivado no Brasil em meados da década de 1970 pela sua capacidade de substituir gasolina, e reduzir a dependência que o País possuia pela importação de petróleo e derivados. Em 1975, o Brasil importava 81% de sua demanda doméstica de petróleo e derivados. É interessante verificar que passados 38 anos, além das vantagens ambientais identificadas a favor do etanol de cana e que não compunham a justificativa original, hoje o etanol volta a ser valorizado novamente por sua capacidade de reduzir a dependencia por importação de gasolina, e suas implicações para a balança comercial.

E é importante registrar que o etanol de cana, limpo e renovável, poderá dar essa contribuição, mesmo num cenário em que o governo erradamente vem subsidiando o preço da gasolina ao consumidor, em estimados 16% base refinaria, prejudicando a viabilidade economica, e a competitividade do etanol em relação à gasolina, com grave prejuízo aos produtores. Mas isso só estará ocorrendo porque o mercado do açúcar não é atualmente uma opção viável de proteção (hedge) ao produtor para suas exportações de açucar ainda a serem precificadas, nesta e na próxima safra.

 

*Plinio M. Nastari é mestre e doutor em economia agrícola e presidente da DATAGRO, foi professor de economia da EAESP-FGV.

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